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Saneamento ideal

Aterro sanitário Asmoc, em Caucaia.

Foto: Luana Mayara

Anderson Cid

Luiza Figueiredo

Luana Mayara

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O Brasil ocupa a 112ª posição no ranking internacional de saneamento, segundo pesquisa do Instituto Trata Brasil e do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável em março de 2014. O estudo leva em consideração o Índice de Desenvolvimento do Saneamento, que varia de zero a um. O país está na marca de 0,581, abaixo de países do norte da África, Oriente Médio e América Latina que contam com uma renda inferior à do Brasil. 

 

Fortaleza, por sua vez, ocupa o 66º lugar em saneamento entre as 100 maiores cidades do país, segundo pesquisa do mesmo instituto, publicada em agosto deste ano. Encontra-se atrás, por exemplo, do município de Caucaia, que ocupa o 63º lugar. Teve nota de 1,24 (com o máximo sendo 2,5) em atendimento total de esgoto e 1,25 (com o valor máximo também sendo 2,5) em esgoto tratado por água consumida. Além disso, conta com 89,14% da população tendo acesso a água tratada.

 

 

 

 

 

 

 

Os números mostram que estamos longe do ideal no que diz respeito a saneamento. Com isso em mente, que medidas seriam necessárias para reverter essa situação e aproximar a cidade de uma condição de saneamento ideal? Como saber, aliás, o que é esse saneamento ideal? Ele é possível? É viável na realidade do lugar e da cultura da cidade de Fortaleza?

 

A cidade de Franca, em São Paulo, ocupa o primeiro lugar em saneamento na pesquisa do Instituto Trata Brasil entre as cem maiores cidades do país contando com 100% de atendimento total tanto de fornecimento de água quanto de rede de esgoto. É o suficiente para saber que, sim, uma situação de saneamento ideal para toda a população é possível, com um exemplo existente inclusive no mesmo país.

 

Quando se pensa em saneamento, deve-se ter em mente que ele é um conjunto de quatro fatores: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais urbanas.

 

Segundo o professor Fernando José Araújo, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental (DEHA) da Universidade Federal do Ceará, água é sempre o primeiro ponto em que a população é atendida no que diz respeito a saneamento básico. Isso acontece porque, dos quatro pilares anteriormente citados, ela é o único que é um produto: os outros três são serviços. “Se não estiver chegando água onde a pessoa mora, ela vai pegar em outro lugar ou vai se mudar. Sem água ela não fica. Agora, se o esgoto não chega até ela, ela pode se arranjar com outros meios”, ele conta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ainda assim, em Fortaleza, a água não é um produto que chega em todos os lugares de forma igual. Antônio Idivan Vieira Nunes, também professor do DEHA e especialista em tratamento de águas de abastecimento e residuárias, explica que, quando se trata de distribuição de água, os grandes problemas podem ser dois: vazão e pressão. Vazão se refere à quantidade de água disponível, e pressão ao modo com que essa água chega nos diferentes locais da cidade. O problema de Fortaleza, nesse sentido, não é de vazão, e sim de pressão.

 

Ele conta que, à medida que a cidade foi crescendo e o contingente populacional aumentando, a estação de tratamento de água com que contava, a Gavião, passou a não dispor de pressão o suficiente para fazer chegar água aos bairros das periferias do mesmo modo com que chegava aos bairros centrais. A partir de então, foram construídas caixas d’água em diferentes localidades, a fim de resolver o problema. Até hoje algumas delas permanecem no cenário urbano, a exemplo das célebres caixas d’água do bairro Benfica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A cidade, no entanto, continuou crescendo e logo o problema teve que ser enfrentado outra vez. Era comum ouvir de moradores da periferia que a água só chegava às casas durante a madrugada. A explicação era exatamente esse problema de pressão, que impedia a água de chegar aos lugares mais distantes da estação de tratamento em determinadas horas do dia. Foi construída, então, a Estação de Tratamento de Água (ETA) Oeste, no município de Caucaia, para tentar suprir a falta do serviço nas localidades da Região Metropolitana de Fortaleza mais próximas do município. Os problemas ainda não foram totalmente solucionados, visto que a primeira etapa da estação foi inaugurada há pouco mais de dois anos, em dezembro de 2012.

 

Antônio Idivan comenta ainda que boa parte da água potável consumida em Fortaleza é adicionada de sais, e não mineral. Esta última é a que se coleta do modo tradicional: é extraída diretamente da natureza e envasada sem o acréscimo de quaisquer substâncias. A água adicionada de sais, por outro lado, é água potável que passa por um tratamento chamado osmose reversa, através do qual se retira diversas impurezas, reduzindo-a quase a H2O, e é depois adicionada de sais minerais para conferir-lhe um sabor mais próximo ao da água mineral. O professor menciona que, sem esses sais, a água teria um gosto mais ou menos parecido com o da água da chuva. Essa água está listada na lei como água mineral e é tão própria para o consumo quanto a outra. No entanto, Antônio Idivan alerta para a existência de “indústrias de quintal” que não passam pela devida fiscalização e que comercializam água adicionada de sais de qualidade duvidosa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para o professor Fernando José Araújo, que tem especialidade em esgotamento sanitário, o serviço de esgoto em Fortaleza tem funcionado em torno da demanda e não de um planejamento. Isso é um problema grave, porque impede que sejam contempladas adequadamente questões que exigiriam um cuidado maior nesse sentido. Todavia, ele enxerga um motivo claro para isso: manutenção de sistema de esgotamento sanitário custa pelo menos três vezes mais do que aquela que é feita em abastecimento de água.

 

O resultado disso é que, em muitos pontos da cidade, sistema de esgoto é inexistente. Hoje em dia, o serviço alcança apenas cerca de 60% da cidade, quando deveria-se trabalhar com algo em torno de 90%. Para contornar a situação, muitos moradores acabam por fazer uso de fossas e outros meios alternativos. Essas soluções muitas vezes são executadas sem o acompanhamento apropriado, o que pode vir a acarretar problemas ambientais na área onde moram. Esses problemas, por sua vez, são capazes de provocar outras tantas complicações de naturezas diferentes, em efeito dominó.

 

Como conta Fernando José, não é nem preciso tomar uma atitude tão drástica para provocar problemas do tipo. Por exemplo: um agente chega em uma residência e, para poder instalar o serviço, terá que quebrar o piso, devido a alguma especificidade topográfica da região onde a casa está localizada. O usuário, por sua vez, se recusa a cooperar, porque o piso da casa tem mais de cem anos e pertenceu à sua bisavó. Ou seja: chegar a uma situação de saneamento ideal e mantê-la dependeria não somente de disposição de recursos e gestão bem trabalhada, mas também de uma série de fatores sobre os quais muitas vezes não é possível ter controle, como fatores humanos ou propriedades topográficas da região atendida.

Como saber, aliás, o que é esse saneamento ideal? Ele é possível? É viável na realidade do lugar e da cultura da cidade de Fortaleza?

O manejo de resíduos sólidos é um dos quatro pilares do saneamento. Foto: Luiza Carolina Figueiredo

Tanto a água mineral quanto a água adicionada de sais são próprias para o consumo humano. Foto: Public Domain Pictures.net

"Quando se trata de distribuição de água, os grades problemas podem ser dois: vazão e pressão. [...] O problema de Fortaleza, nesse sentido, não é de vazão, e sim de pressão."

 

Idivan Vieira Nunes, professor do Departamento de Engenharia

Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará

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