Larissa Feitosa
Imagens: Nah Jereissati
Edição: Larissa Feitosa
LAÇOS
O Alzheimer é uma doença dolorosa. A dor, muitas vezes, não é nem física, mas emocional, e se propaga em uma espiral contagiando a família no entorno. O portador e os familiares padecem não pela debilidade do corpo, mas pela degradação da memória, o que para os filósofos da Antiguidade, equivaleria à agonia da alma.
Gradualmente as memórias se esvaem, como a poeira do tempo. Os familiares são os primeiros a detectar os sinais de esquecimento, o surgimento das falas repetitivas e dos casos de confusão mental afetam não só quem as perde, mas quem delas também era objeto.
O processo desde a identificação dos primeiros sintomas até o diagnóstico é angustiante, mas para quem não quer pensar apenas nas perdas, o Alzheimer pode ser também encarado como uma nova vivência, sobretudo, para quem convive com ela, assistindo e aprendendo a se relacionar com a nova pessoa que surge a partir dos efeitos da doença.
Para quem conheceu Francisca Gadelha Aguiar, carinhosamente chamada de Gadelha, antes da doença, defronta-se com outra pessoa. Ela sempre foi a típica mulher de fibra da família. Trabalhou desde nova para sustentar as três filhas, passou em concurso federal, era casada e se dividia entre as tarefas do trabalho e do lar. De uma forma admirável, sempre foi exemplo de força e coragem para a família pela forma com que conseguia se desdobrar entre os papéis que exercia.
Após a morte do esposo, Dona Gadelha enfrentou dois períodos de depressão. O último, deixou as marcas mais profundas e coincidiu com o surgimento dos primeiros sinais do Alzheimer. A mulher que antes era totalmente independente passou a apresentar sinais graves de esquecimento e falta de atenção e até sofreu acidentes de trânsito que não eram comuns para o desempenho que ela apresentava normalmente. Os lapsos de memória foram aumentando e as filhas decidiram levá-la a alguns médicos.
Depois de exames, visitas a diferentes especialistas, foi comprovado o diagnóstico que alterou toda a rotina da família. As filhas tiveram que tirar a mãe da casa na qual ela morava sozinha, pois agora a assistência precisava ser maior, D. Gadelha devia ser acompanhada e cuidada de perto.
Apesar das tentativas de morar junto da mãe, as filhas não conseguiram a permanência dela em suas casas, pois os surtos de irritabilidade causados pelo Alzheimer não permitiam que D. Gadelha vivesse em locais movimentados. A solução foi comprar um imóvel próximo das filhas e contratar uma cuidadora para administrar as medicações e fazer companhia à D. Gadelha.
Atualmente, a senhora de olhar ativo, mas de corpo cansado, vive de forma estável, é visitada diariamente pelas filhas que acompanham o tratamento, às visitas ao médico e periodicamente fazem passeios com a mãe para que a qualidade de vida dela não se perca junto com as informações subjetivas. A cuidadora também mantém uma relação de carinho com D. Gadelha, o que faz até com que seja difícil tirar as férias que precisa, pois a paciente e companheira não se adapta a outras pessoas tão bem quanto a ela, uma demonstração de que a doença não rouba os sentimentos.
Além disso, o neto João Lucas Aguiar, estudante de Fisioterapia, visita a avó regularmente para realizar sessões terapêuticas e garantir que o corpo da avó também não esqueça de se movimentar, já que esta nunca foi muito afeita à prática de exercícios.
Conhecendo e conversando com a família na casa de D. Gadelha é perceptível o carinho com que ela é tratada. A principal saudade, segundo os familiares, é da altivez da mulher independente, falante e que hoje parece viver períodos de desligamento do espaço em que vive. Apesar disso, ela lembra dos familiares, de datas especiais, e o mais importante, segundo eles, é que ela em si não se tornou uma memória, ela está presente, para ser cuidada e amada independentemente da memória de quem ela foi.