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Direitos

Kevin Alencar

Maggie Paiva

A Política Nacional do Idoso, lei de 1994, garante direitos à pessoa maior de 60 anos. Segundo o inciso I do Art. 3º, "a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida".

O Estatuto do Idoso foi aprovado em 2003 e objetiva proteger o idoso em situação de risco social. Segundo a lei, "é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária".

Entrevista realizada com Alexandre Alcântara, promotor do Núcleo de Defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência, do Ministério Público do Ceará. Seu trabalho na defesa do idoso começou no mesmo ano em que foi publicado o Estatuto do Idoso, em 2003.

 

 

Que políticas públicas o Estado oferece hoje no intuito de proteger o idoso, sobretudo aquele com Alzheimer?

 

O Estado brasileiro, apesar da edição de algumas normas, como a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso, ainda deixa muito a desejar em relação às políticas públicas para o idoso. Uma política pública específica, nós temos no âmbito do Ministério da Saúde, mas, na verdade, ainda está muito longe dessa norma chegar à nossa realidade. Você não tem ainda, no sistema de saúde pública brasileira, um aparato, um preparo e condições adequadas para esse público específico. Os geriatras e os gerontólogos, que estudam a questão do envelhecimento do Brasil, entendem que nós temos uma dívida muito grande com esse público. Você vai ao sistema público de saúde e ele é muito precário. E mais precário ainda pra entender especificamente esse público-alvo. Nós temos um número pequeno de geriatras e parece que não há um incentivo para que se formem mais no Brasil. Hoje nós temos em torno de 24 milhões de pessoas idosas no Brasil e esse público está envelhecendo. Nós temos milhares de centenários.

Nós temos presenciado o sofrimento de muitas famílias que têm idoso com Alzheimer e realmente têm uma dificuldade muito grande em cuidar dessas pessoas. E todo dia esse número de idosos cresce no Brasil e cada vez mais nós vamos ter idosos com esse tipo de problema de saúde. E o nosso sistema de saúde ainda é muito vulnerável para atender essa demanda.

 

Há uma perspectiva de mudanças e melhorias nas políticas do Estado?

 

Percebemos que, apesar de o Brasil ter se comprometido com normas que surgiram a partir de conferências internacionais que a ONU realizou sobre o envelhecimento no planeta, apesar de alguns avanços, é preciso realmente melhorar muito.

Centros-Dia são espaços que reproduzem o ambiente familiar, onde o idoso pode permanecer durante as horas do dia em que a família não puder cuidar dele. Em Fortaleza, não há Centros-Dia públicos, apenas privados.

É uma série de coisas que necessariamente têm que ser construídas. O grande desafio vai ser a questão do cuidado. A família nas décadas de 40, 50 ou 60 era uma família que tinha vários filhos. Quem cuidava dos pais, dos avôs? Os filhos. Hoje, temos poucos filhos. Tem um número expressivo de famílias hoje que têm um filho e outras que não tem nenhum. Então quem vai cuidar dos pais? Quem vai cuidar dos nossos velhos agora e no futuro bem próximo, já que não há cuidadores? O Estado. A Política Nacional do Idoso traz uns instrumentos que buscam esse cuidado. Por exemplo, a questão dos Centros-Dias, local onde o idoso passaria o dia com fisioterapia, terapia ocupacional, lazer, assistência médica, esporte... E, ao final do dia, a família pegaria o idoso. Cada vez mais nós vamos precisar de Centros-Dia ou abrigos. Porque nós temos muitas pessoas que vão envelhecer e não vão ter realmente quem cuidar delas. Esse cuidado vai ser uma responsabilidade do Estado. Cadê as Instituições de Longa Permanência?

 

Hoje Fortaleza dispõe apenas de um abrigo estadual. Em que situação de funcionamento está esse abrigo?

 

Nós temos uma ação por conta das más condições que o abrigo estadual possuía. O abrigo agora que está conseguindo obter dois documentos importantíssimos, que são o registro sanitário e uma certificação do corpo de bombeiros. Como o Estado, poder público, tem uma instituição mantendo em torno de 100 idosos sem equipamentos de segurança em relação a incêndios e de segurança sanitária? Cuidar de idosos em uma instituição é uma atividade complexa, que requer uma série de condições de segurança. O que acontece hoje em Fortaleza é que há um crescimento dessa demanda, e estão surgindo, infelizmente, abrigos especiais sem nenhuma condição de segurança sanitária e prevenção de acidentes para receber esses idosos. Um dos trabalhos do Ministério Público é fiscalizar essas instituições. Nós já interditamos algumas instituições. No ano passado, fechamos uma (instituição) em que as condições eram realmente de penúria. Eram 23 idosos vivendo em condição muito triste, mas conseguimos interditar e fechar o abrigo. Então você percebe que realmente essas posturas têm que melhorar. A nossa experiência demonstra isso, que apesar de alguns avanços ainda temos muito o que fazer. Se não for feito vai gerar muito sofrimento para essas pessoas.

 

Há previsão de que políticas como abrigos sejam efetivadas em Fortaleza?

 

Nós estamos com uma promessa do município de criar dois abrigos para idosos. No ano passado, tivemos que cobrar do município, saber por que não houve essa efetivação. Estamos fazendo recomendações ao Estado do Ceará. É preciso que o Ceará crie, ou pelo menos, estimule os municípios a criarem esses equipamentos. Porque o que acontece é que se não houver a criação, nos grandes municípios, como Sobral, Juazeiro do Norte, Iguatu, desses equipamentos, o que vai acontecer é o que acontece com a saúde. Não vai haver esse equipamento lá e mandarão para Fortaleza. Vai haver um inchaço da demanda em Fortaleza. Então, é preciso criar esses Centros-Dias e criar os abrigos, tanto nas capitais quanto nas cidades de cada estado. Porque é uma demanda que só tende a crescer. E nós aqui estamos trabalhando no sentido de buscar a efetivação desses instrumentos que já estão previstos na lei, mas, como sabemos, o Estado é difícil na efetivação dessas garantias.

 

Quando falamos em violência contra o idoso, pensamos primeiro na violência física. Mas que outros tipos de violência são entendidos pela lei?

 

Os estudiosos tentam fazer uma divisão de categorias de violência contra a pessoa idosa. Nós temos primeiro uma violência estrutural da sociedade. Você não tem um envelhecimento, você tem os envelhecimentos. Ou seja, são muito diferentes o envelhecimento de uma pessoa rica e o de uma pessoa pobre. Você tem pessoas que moram no interior do Ceará e você tem pessoas que moram numa capital desenvolvida. Então, a primeira violência é essa estrutural, essa diferença que você tem entre as pessoas.

A segunda violência seria essa violência interpessoal, que se dá no núcleo da família, que se dá na rua, que se dá no âmbito da cultura em geral. Você tem por exemplo aquela situação de idosos com Alzheimer cuja família não tem condição de cuidar. A família chega a uma situação de extremo estresse que leva ela a violentar a pessoa idosa. Ela vai bater, amarrar, maltratar. E nós temos uma última categoria, que eu chamo de violência institucional, que seria exatamente a violência do Estado. A partir do momento em que o Estado não constrói as políticas públicas, está violentando essas pessoas. Pela minha experiência, a grande violência é a violência institucional, quando as políticas públicas não são construídas. Quando se tem toda uma legislação dizendo o que tem que ser feito e essa legislação não é efetivada.

 

Uma vez feito o diagnóstico do Alzheimer, quais medidas a pessoa idosa precisa tomar para evitar o mal uso de recurso financeiro por parte de seu cuidador?

 

Gostaria apenas de fazer uma ressalva. Existe a violência familiar, mas o que ocorre entre nós? Você tem aquela violência institucional, em que o Estado não fornece políticas públicas que deveria fornecer. Por exemplo, uma saúde adequada. E quando se percebe que um idoso está sofrendo dentro do seu ambiente familiar, o que acontece? O Estado comparece para criminalizar a família. Ele não fornece as políticas públicas que deveria fornecer, provocando a violência institucional, mas em compensação ele chega para criminalizar a família. Mas como está essa família? Onde essa família vive? Quais são as condições do ambiente em que vivem? Qual o bairro em que ela vive? Esse bairro tem condições adequadas? Tem posto de saúde, assistência de saúde, segurança? Ou essa família está numa situação como a de Fortaleza, onde 60% das famílias não têm esgotamento sanitário? Então antes de falar da violência familiar, a gente tem que falar da violência institucional e lembrar sempre que o Estado é o grande violentador. Na família, o que acontece, como no caso da violência financeira é que é uma situação extremamente difícil, porque a pessoa que está no processo de Alzheimer tem que ser interditada. Ela perde o discernimento porque perde a memória. Geralmente, o que acontece é que um dos filhos interdita. Temos situações em que o idoso tem um patrimônio e precisa ser interditado, então começa um conflito entre os filhos para saber quem vai cuidar do idoso. Aí cabe o controle do Ministério Público e do Judiciário, de perceber como essa família, nesse processo de interdição, está tratando o idoso.

O Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) visa atender famílias em situação de risco social. Em Fortaleza 6 CREAS estão em funcionamento, mas, segundo o promotor, a cidade deveria manter 12 unidades, por conta do grande contingente populacional.

É uma situação bastante difícil, porque o idoso está realmente na situação de incapacidade. Mesmo quando não está incapaz, há um vínculo afetivo entre o agredido e o agressor, e ele não quer denunciar porque aquele agressor é filho... Por exemplo, você tem netos e filhos violentando pessoas idosas, tomando a aposentadoria para comprar drogas. O idoso está sofrendo a violência, mas não quer denunciar, porque é o neto dele, é o filho dele. Lembro de um caso no Aracati (interior do Ceará), de um pescador, que o filho dele vendeu até a rede de pescar, vendeu tudo dentro de casa... Quando não aguentou mais, ele chegou na promotoria. Então, muitas vezes, a situação de violência só chega na autoridade em últimas consequências.

 

Por isso então a importância da curatela?

 

Sim, é importante a curatela, porque ela permite que o juiz nomeie um curador e há um dever de prestação de contas. E a pessoa nomeada fica como responsável por esse cuidador financeiro.

 

Após a denúncia ser feita, quais são os procedimentos legais para o resgate do idoso em situação de violência?

 

Existe um sistema que se chama Sistema de Garantias. Aqui em Fortaleza, o receptor dessa notícia é a Secretaria do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome, do município de Fortaleza. Em muitas situações, é um problema social. É um problema que requer a intervenção do assistente social, da psicóloga. Quando há necessidade do acionamento, do problema realmente judicial, o município traz esse problema para o Ministério Público. Podem acontecer situações como temos aqui, da necessidade de retirar o agressor do lar. O município e a Secretaria trazem esses problemas e tentamos resolver administrativamente. Se não for resolvido, entramos com uma ação judicial para remover. Existe todo um Sistema de Garantias, da polícia, da Defensoria Pública, do Ministério Público, das secretarias de ação social municipal, que têm o dever de acompanhar e tentar resolver esse problema.

 

O que acontece nos casos em que o idoso não possui um responsável legal além do próprio agressor?

 

É exatamente o que acontece com os idosos que estão no abrigo estadual. Aquelas pessoas realmente não têm parentes, ou tiveram rompimento dos laços familiares. Está dito que a assistência é preferencialmente familiar, com exceção dessas situações em que houve rompimento dos laços familiares ou que realmente não há laços familiares. Aí o Estado deve assumir esse cuidado. O que se percebe é que cada vez mais vamos ter pessoas nessa situação, por conta da mudança familiar, da diminuição dos potenciais cuidadores. Outro dia estava vendo uma reportagem que dizia que, no centro de São Paulo, há mais de 3 mil idosos morando na rua. Então, é uma situação realmente grave. Cada vez mais vamos ter pessoas velhas, pessoas que estão em uma situação de penúria e vão precisar efetivamente dos cuidados do Estado.

 

Como o Ministério Público enxerga os dados registrados sobre a violência contra o idoso?

 

O que observamos é que é uma demanda que cresce a cada ano e cada vez mais é preciso efetivar e trazer essas políticas, esses instrumentos de atendimento a esse grupo. O que acontece é que a sociedade brasileira envelheceu, mas na verdade não estamos preparados para esse envelhecimento. Então, a grande maioria das pessoas não entende o significado dessa mudança na pirâmide etária. Logo, logo nós teremos mais idosos do que jovens. Isso é uma coisa mundial. A cada dia chegam mais denúncias, mais reclamações de pessoas que, por uma série de fatores, estão sofrendo porque precisam de uma política, de uma assistência, de um cuidado e não têm. Seja na rua ou no âmbito familiar.

 

Quais são as recomendações do Ministério Público para evitar e coibir a violência contra o idoso?

 

Não diria uma recomendação do Ministério Público, mas eu diria que a própria legislação, a Política Nacional do Idoso, o Estatuto do Idoso, têm instrumentos legais e processuais que buscam exatamente tanto prevenir essa violência como coibir. Há possibilidade de encaminhamento para essas políticas de assistência, de acompanhamento. Nós temos várias famílias em Fortaleza sendo acompanhadas pelos CREAS. Você tem uma família em que foi verificada a situação de violência, então pedimos aos CREAS que as equipes passam a acompanhar aquela família. São feitos relatório, de psicólogos e assistentes sociais para acompanhar aquela situação. Nós temos essa possibilidade de acompanhamento. Em último caso, temos a intervenção judicial para afastar algum agressor. Eu acredito que temos os instrumentos legais para coibir e prevenir essa violência. Mas na verdade o que precisamos são de políticas mais eficientes, seja na saúde, no cuidado, no lazer, na assistência social para essas pessoas. Precisamos trazer mais assistência às famílias. Grupos interdisciplinares para acompanhar essas famílias.

DENUNCIE

 

Casos de maus tratos a idosos, além de outras violações de direitos humanos, podem ser denunciados ao Disque 100. As ligações podem ser feitas de modo anônimo.

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