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Memória de uma nação

Victor Comenho

Maggie Paiva

Recentemente, na China, pesquisadores descobriram que é possível utilizar células da pele, devidamente modificadas em laboratório, como substitutos para os neurônios deficientes de pacientes com o Alzheimer. No Canadá, pela primeira vez na história, um paciente teve o progresso da doença revertido; infelizmente, é um caso isolado, mas não deixa de permitir uma sincera esperança. Mesmo assim, a medicina não conhece, hoje, nenhuma cura comprovada para o Alzheimer, e os tratamentos são, em sua grande maioria, sintomáticos, apenas retardando o avanço da doença tanto quanto possível. Isso, porém, não é desculpa para o descaso e a falta de cuidado e políticas públicas que presenciamos em nosso País.

 

Quem hoje depende da rede pública de saúde para iniciar um tratamento, qualquer que seja, já sabe que enfrentará uma longa e estressante jornada pela frente. Apesar de existirem alguns pontos de referência, realmente muito bem preparados para atender a população, de um modo geral, a saúde pública ainda enfrenta uma grande crise em todo o território nacional. Os hospitais estão defasados de recursos, de leitos, de médicos e de medicamentos. E isso não é de hoje. Não é a sombra da crise econômica e política atual que explica essa situação; é um histórico de descaso e corrupção, já de muitas décadas, que vem desintegrando e espoliando a saúde brasileira.

 

No tratamento do Alzheimer, a situação é particularmente preocupante por se tratar de uma doença que necessita de um acompanhamento multiprofissional. Além do neurologista ou geriatra, é necessário ter-se o apoio de um fisioterapeuta, um fonoaudiólogo, e tantos outros profissionais quanto forem necessários. Em doenças degenerativas, cada caso é um caso, e cada paciente desenvolve os sintomas de uma maneira particular. Aliado a isso, por se tratarem, em maior parte, de indivíduos idosos, há também uma série de outras doenças que acometem a idade, que também necessitam de tratamento específico, integrado com o tratamento da demência. Mas o que presenciamos é a inexistência de uma equipe heterogênea disponível para esses casos.

 

Na rede pública, inclusive, só são oferecidos três medicamentos para combater a doença (dos quais, vale ressaltar, nenhum é plenamente indicado para os estados mais avançados do Alzheimer); medicamentos esses que constantemente estão faltando nos estoques dos hospitais.

 

Muitos pacientes dependem exclusivamente desses medicamentos, por não poderem arcar com os tratamentos não farmacológicos, ou terapias alternativas, tão importantes para retardar o andamento da doença, e que praticamente não são ofertados pelo Sistema Único de Saúde. A situação acaba sendo a de pacientes entregues ao destino, sem outra opção a não ser ficar sentados em casa, esperando que o esquecimento tome cada vez mais lugar em suas mentes.

 

A falta de informação e, talvez, o descaso dos próprios familiares também é um fator que contribui muito para o quadro de agravamento geral da doença. Existem medidas simples que podem ser tomadas, na busca de uma qualidade de vida um pouco melhor: caminhar diariamente, buscar algum exercício físico, estimular a companhia da família e os contatos afetuosos, seguir uma dieta especial e equilibrada. Apesar de tudo isso, parece mais fácil restringir o espaço dos mais velhos ao seu próprio quarto e, quando muito, outras dependências da casa, com a desculpa de que é mais seguro para eles. O problema do Alzheimer tem estreita ligação com o descaso com a população mais idosa. O entrave não é só o Governo, mas sim toda uma conduta errada, aparentemente, enraizada na nossa cultura.

 

Aqui em nossas terras também temos avanços, é claro. Uma pesquisa recente da USP em Ribeirão Preto revelou a perda do paladar como um sintoma que até então não se sabia estar relacionado ao Alzheimer. De certo, esse é um fator que já poderá deixar muitas pessoas mais atentas. Mas precisamos que outras pesquisas como essa saiam dos laboratórios e dos centros de pesquisa e cheguem, de fato, à população. Precisamos de uma maior conscientização, de medidas mais ativas. Algumas iniciativas privadas, como a Associação Brasileira de Alzheimer, contribuem nesse sentido. Mas ainda há pouco engajamento. Poucos procuram, de fato, se conscientizar, antes de ser tarde demais.

 

O diagnóstico da doença também é complicado, consistindo em uma série de testes e exames diversos que, somente analisados em conjunto, podem revelar a verdadeira natureza do que acomete tais mentes. Mais uma vez, a desinformação é um problema, visto que temos o costume de achar que a senilidade é intrínseca à terceira-idade e que lapsos de memória são comuns. Também parecemos ignorantes aos outros sintomas, como irritabilidade, dificuldade de locomoção e até casos de depressão. A medicina pode ainda não ter descoberto uma cura para o Alzheimer, mas uma série de falhas na sociedade contribui para acentuar a gravidade da doença. É bem sabido que o Brasil não tem muito respeito à memória; vivemos, dia a dia, caindo em falácias que a História já deveria ter nos ensinado a evitar. Não é de se espantar, quando as lembraças ficam assim perdidas no tempo e na memória dos mais velhos. 

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