
É preciso esquecer
Nah Jereissati
Memória expandida, textos, fotos, vídeos e uma miríade de informações armazenadas em uma nuvem virtual. A desmaterialização do mundo em código binário aliviou o homem do peso da memória material e fez do esquecimento o vilão do século XXI.
As extesões maquínicas do cérebro têm a pretensão de armazenar tudo, deixando uma vida inteira ao alcance de um clique, seja para o resgate ou para o apagamento. Porém, nem tudo pode ser guardado em forma de bytes. Ainda há dimensões da vida que só encontram sentido no homem, em seu corpo e no que ele consegue guardar e deixar fluir pelo universo. Nesse sentido, esquecer e lembrar não são opostos, mas complementares.
Nietzsche há muito tempo enunciava que o ato de esquecimento não é defeito, nem fragilidade, mas uma necessidade para que o homem não se fixe em memórias e experiências que não o conduziriam para o futuro, mas o aprisionariam no passado. Como ele mesmo postula: "Esquecer é a transmutação das lembraças a favor do presente".
O esquecimento voluntário, portanto, é um processo de digestão da vida, é o ruminar de memórias que nutrem o corpo e de lembranças que perturbam a alma. Depois de um tempo, elimina-se o desnecessário à jornada rumo ao futuro e deixa-se guardado um passado que move o presente.
Por isso, falar de Alzheimer provoca tanta aflição, pois o esquecimento que a doença gera é compulsório, inevitável e até mesmo indesejável. Contudo, quando as memórias do presente se tornam inacessíveis, eis que surgem as lembranças guardadas no fundo do baú do espírito. Aquelas que, ainda em condições normais da vontade, foram mantidas quietas, esperando o momento de virem à tôna. E elas aparecem como um turbilhão de informações sem indexação, fatos brutos, que mostram quem um dia foi aquele paciente.
E foi em busca dessas "memórias selvagens" que os alunos do semestre 2015.2 da disciplina Laboratório de Jornalismo Multimídia (Curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal do Ceará - UFC) partiram. Acompanhando a rotina de pessoas com a doença de Alzheimer e tendo a oportunidade de conversar com eles, familiares e amigos puderam compreender que quando se lida com o esquecimento como algo negativo, a vida se torna um calvário, mas quando o viés é otimista, a ausência de lembranças recentes e o renascer de outras são uma verdadeira dádiva.
Naiana Rodrigues